Por que o trabalho de mentoria é essencial em projetos educacionais?

julho 07, 2017 | por Luciano Bitencourt

Alex Bretas incorpora uma perspectiva educacional interessante e, ao mesmo tempo, inquietante. Passou dois anos investigando formas diferentes de aprendizagem por conta própria com financiamento colaborativo, na forma de crowdfunding. Como resultado, elaborou dois livros que contam suas descobertas e inspiram reflexões a respeito do ato de aprender. Um deles, o “Kit Educação Fora da Caixa”, descreve metodologias e estratégias de abordagem educacionais que Bretas chama de “caixa de ferramentas de aprendizagem”.

São 50 formas de estimular a aprendizagem livre e, como o próprio autor descreve, servem “para quem quer (se) inventar”. O pressuposto é simples: todo mundo pode aprender e não há a exigência de lugares adequadamente preparados para que isso aconteça. A cuidadosa curadoria expressa no livro não hierarquiza culturas a partir das quais descreve métodos e formas de abordagem, tampouco os tipos de conhecimento sobre os quais se assentam suas referências. Ancestrais ou inovadoras, oriundas de diferentes organizações sociais e estruturas cognitivas, não há distinções.

Uma das “ferramentas ancestrais” descritas no livro é a mentoria. O termo é bastante conhecido hoje no meio empresarial, mas o sentido dado por Bretas tem nuances que merecem uma atenção especial. Alex Bretas descreve um mentor como “alguém capaz e disposto a ajudar”. É uma definição simples, mas abarca os muitos conceitos usados ao longo do tempo e atualmente no mundo corporativo. A base da mentoria, nestes termos, está em ouvir e construir conjuntamente as soluções que se procura. É uma “ferramenta” que, portanto, não dá as respostas; as elabora a partir de quem tem um problema a resolver.

No caso de projetos para promover aprendizagem corporativa, a definição usada no “Kit Educação Fora da Caixa” é bastante pertinente. Faz pensar em uma série de questões.

Um método para valorizar a inteligência da organização

Quando se trata de aprendizagem corporativa, a concepção de projetos educacionais parece depender de especialistas, modelos padronizados de sucesso e ferramentas tecnológicas consagradas. Contudo, o mais importante é saber o que se quer. Existem decisões estratégicas, associadas ao contexto dos negócios em que a organização está inserida, que devem ser levadas em consideração.

A mentoria ajuda a elaborar oportunidades de aprendizagem a partir de um conjunto de métodos cujo objetivo é promover a cocriação e o exercício coletivo de propor atividades educativas alinhadas ao que se deseja. O trabalho consiste, especialmente, em estimular a criatividade, propor referências e fomentar interpretações. Nesse caso, é preciso considerar que a inteligência e os conhecimentos necessários para viabilizar um projeto são de quem tem o problema para resolver. A mentoria, portanto, ajuda metodologicamente na coleta e organização de informações, e na sistematização das variáveis sobre as quais as decisões serão tomadas.

O processo é baseado em ouvir e construir conjuntamente as respostas com a finalidade de identificar elementos essenciais para o desenho de uma arquitetura e os recursos estratégicos para a elaboração de uma estrutura que dê conta de materializar oportunidades de aprendizagem. O método é só uma forma de mapear as referências e conduzir a inteligência organizacional no caminho de um projeto educacional corporativo.

Se uma organização decide investir em processos educativos ou na formação de seu pessoal é porque há lacunas entre o que se espera e o desempenho efetivamente mensurado. Lacunas que podem estar na falta de habilidades técnicas ou na ausência de capacidades mais criativas, ligadas a novos mercados, novas oportunidades de negócio. Estrategicamente, é essencial mapear recursos e repertórios já existentes e identificar quais precisam ser desenvolvidos para dar conta do que é preciso aprender. Esse inventário é a base para o desenho de alternativas e o estudo de viabilidade do projeto.

Diferentes dimensões estratégicas

Em projetos educacionais é preciso reconhecer que as estratégias para sua elaboração se inscrevem em dimensões distintas. Há as de gestão, focadas em facilitar o andamento dos processos formativos e garantir condições de viabilidade para que os resultados sejam alcançados; há as de ensino, que ajudam a construir formas de oferecer as oportunidades de aprendizagem no que diz respeito aos meios para se chegar onde se deseja; há as de aprendizagem propriamente ditas, mais associdadas aos estudos, à aplicação da inteligência para gerar conhecimento.

Como são dimensões diferentes, ainda que complementares, as estratégias não se adequam a elas de um mesmo modo. Também não podem ser definidas a partir de parâmetros que obedecem a determinados padrões. Projetos baseados, por exemplo, em estruturas rígidas de percurso formativo tendem a determinar formatos, conteúdos, ritmos para o processo de aprendizagem, entre tantas outras variáveis. Basicamente, projetos dessa natureza dizem não só onde querem chegar, mas determinam como e quando, controlam os passos.

Atualmente, contudo, especialmente com a digitalização dos recursos, os processos de aprendizagem estão ganhando mais autonomia. Isso porque já se consegue enxergar formas de respeitar o tempo que cada um leva para aprender algo e dar livre acesso aos meios sem uma hierarquia prévia entre os elementos que compõem o percurso formativo. São processos mais individualizados, sem controles rígidos de espaço e tempo. São monitorados a partir de registros que servem para avaliar o tipo de relação que cada usuário estabelece com o percurso. São mais focados na experiência.

As diferentes estratégias não se anulam. É possível desenvolver projetos que mesclem possibilidades de experiências mais individualizadas e percursos mais rígidos, baseados exclusivamente na mensuração de desempenho para aferição de resultados bem específicos. Tudo depende, como já enfatizado, de onde se quer chegar. Mas é preciso compreender que as estratégias de gestão da aprendizagem precisam ser condizentes com as escolhas que se fizer.

Adequar as escolhas aos processos de gestão talvez seja a principal função de um trabalho de mentoria no contexto da aprendizagem corporativa. Articular as diferentes dimensões e suas estratégias num só projeto não depende de alguém que já tenha as respostas em função de experiências prévias, ao contrário. O trabalho de mentoria mais relevante na elaboração de projetos educacionais é o de desenhar experiências que sirvam ao propósito de aprendizagem desejado.

E isso depende, como sugere Alex Bretas, de “alguém capaz e disposto a ajudar”.

 

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.