Ambientes de trabalho podem ser bons espaços de aprendizagem

junho 06, 2017 | por Luciano Bitencourt

Cuidar do que importa para a aprendizagem em quaisquer aspectos da formação e fazer alianças estratégicas para ampliar as possibilidades de atuação são, como temos insistido, ações primordiais em projetos educacionais. A curadoria do conhecimento depende de recursos que auxiliem na tarefa de pesquisar, organizar e tornar acessíveis informações e ferramentas voltadas ao desenvolvimento de pessoas. Os consórcios de aprendizagem, do mesmo modo, dependem do valor imputado ao que se vai partilhar enquanto conhecimento. Vamos alargar um pouco esses conceitos e aproximá-los de outras referências talvez mais conhecidas.

Uma aliança estratégica para projetos educacionais faz sentido quando as partes envolvidas vêem valor no que partilham e isso só parece possível se os objetos de partilha, que vão servir para consolidar a aliança, importam para se alcançar o que está traçado como objetivos. Em outras palavras, alianças estratégicas sustentam-se naquilo que cada uma das partes tem a oferecer e que interessa a todos os envolvidos. Até aqui nada de novo. A questão é que em projetos educacionais tende a ser mais difícil tangibilizar o que importa e perceber o valor de determinadas oportunidades ou elementos a serem partilhados.

A dificuldade está em diferentes fatores, dentre os quais três estão ligados aos conceitos tratados aqui. Primeiro, não há uma correspondência direta e efetiva entre um projeto educacional e os resultados que dele se espera porque aprender exige um esforço individual que nem sempre as pessoas para quem o projeto se dirige estão dispostas a empreender. Também é preciso considerar que o conhecimento envolve diferentes esquemas de ações cujo valor depende da situação em que vamos recorrer a ele. Por fim, não é tarefa fácil reconhecer os recursos que servem de estímulo, informação e podem ajudar nos processos de aprendizagem.

São aspectos como esses que exigem reflexões sem as quais o exercício de elaborar projetos educacionais não promove avanços no desenho e na estrutura. Quais são as formas de estimular a aprendizagem dentro do próprio campo de atuação das pessoas? Como fazer para que se empreenda esforço de aprendizagem sobre o que importa? Quais são os esquemas de ações que correspondem às situações a serem enfrentadas como desafio de aprendizagem? Que situações são essas? O que se pretende aferir no final?

Ambientes de trabalho, por exemplo, tendem a não ser percebidos como espaços de aprendizagem. É como se não existisse espaço, no tempo da produção, para pesquisas pessoais, organização de referências, tampouco para tornar acessíveis experiências que tornem visível o conjunto de repertórios já existentes em uma organização. Essa tendência se reproduz nos ambientes escolarizados, excessivamente pautados em conteúdos e ações distantes das enfrentadas no cotidiano. Conteúdos são importantes, mas sem experiências concretas sobre a relação deles com nossas vidas viram informações que podem ser memorizadas por um período. E isso está longe de ser conhecimento.

Espaços de aprendizagem como reflexo de processos de gestão

Quando falamos de espaços de aprendizagem, fazemos referência ao ambiente físico, às oportunidades de atuação, ao conjunto de repertórios acessíveis para quem precisa de estímulo, a estruturas adequadas às situações a serem enfrentadas, enfim. Os espaços de aprendizagem compõem-se de vários elementos que devem ser combinados de acordo com o que se pretende. Uma sala de aula, por exemplo, pode ser apenas um bom lugar para dormir ou o púlpito de alguém que julga ter mais conhecimento que os outros.

Tem sido comum fazer alusões às salas de aula de hoje e compará-las às de um século atrás. As imagens, claro, mostram que não houve mudanças na estrutura, na disposição do ambiente e na relação com o conhecimento. Carteiras dispostas mais ou menos do mesmo jeito, professor de pé e estudantes sentados, lousas como recurso de ilustração (nesse ponto as digitais não se diferem do quadro negro), confinamento para que todos estejam presentes e atentos ao conteúdo. Dizem os críticos que a educação formal não acompanhou as mudanças de nosso tempo.

O que talvez não se tenha discutido adequadamente até agora é o fato de que os espaços de aprendizagem são reflexo de processos de gestão que exigem garantias de resultados padronizados. As escolas, por exemplo, são ranqueadas em função do desempenho em sistemas de avaliação que levam mais em conta aspectos cognitivos e descritivos. Como o instrumento de avaliação é uma prova, o que se consegue aferir é a capacidade que um estudante tem de descrever como solucionar um determinado problema. E saber descrever uma ação não é o mesmo que saber agir.

Nos espaços de produção, o rigor com os resultados é ainda maior. Portanto, saber descrever uma ação tem muito menos valor do que saber agir. É uma lacuna bastante cara e que impacta nos investimentos em projetos educacionais. Talvez seja interessante perceber que as características de uma sala de aula tenham mudado muito pouco porque é para padrões de aprendizagem que as estruturas ainda estão voltadas. Os recursos são organizados para o controle e os padrões porque, no final, os resultados têm de ser muito parecidos e vão determinar quem é capaz e quem não é.

Recursos educacionais e seus impactos nos processos de aprendizagem

Para promover mudanças nos espaços de aprendizagem, se tem recorrido a soluções tecnológicas, especialmente as digitais. Como estratégia, o uso das tecnologias digitais propõe o rompimento com os fluxos de hora marcada e tempo determinado, com os limites físicos e de acesso a informações diversificadas sobre temas e acontecimentos, a conteúdos relevantes e pontos de vista diferentes. Mas o principal argumento está no fato de que o uso das tecnologias digitais promove uma mudança de postura nos estudantes, uma vez que exige mais interatividade.

Aliado a essa estratégia está, também, o uso de metodologias ativas de ensino. Formas diferenciadas de organizar o tempo e o espaço com atividades diversificadas de preparação para exercícios planejados no espaço da sala de aula. São propostas consideradas inovadoras, mas ainda atendem aos padrões disciplinares de avanço ou represamento de aprendizagem seriada e, quase sempre, descontinuada. Isso tem a ver com o currículo, com a organização dos recursos educacionais e com a forma como são disponibilizados.

Você vai a uma escola de padrão médio, com bons professores e bons recursos. Entra numa sala de aula e acompanha estudantes de “terceirão”, que estão se preparando para ingressar no ensino superior. Na “grade curricular” a disciplina de História está dividida em três dias da semana. Em um dia, a aula é de História Geral, Grécia Clássica. Em um segundo dia, História do Brasil, período regencial. E no terceiro, Revolução Industrial. Pode parecer hipotético, mas é bem mais comum do que se pensa. O professor é o mesmo, o espaço de aprendizagem também. Mesmo com todas as ferramentas digitais, não há como estabelecer conexões, fomentar debates profundos, encontrar tempo para pesquisas complementares. O problema não está na sala de aula apenas.

Pensar nos recursos educacionais para facilitar a aprendizagem pode ajudar na estrutura de espaços alternativos e diferenciados. Isso não significa que tais recursos precisam estar em consonância com os que são usados nas escolas. Os recursos educacionais não são necessariamente “recursos escolares”. Pensemos neles como meios para auxiliar na aprendizagem, oferecer informações, permitir trocas de experiência e disponibilizar ferramentas que facilitem o processo.

Os recursos educacionais estão diretamente relacionados à curadoria do conhecimento. Em primeira instância, um curador precisa de recursos para encontrar, organizar e tornar acessível o que importa. Depois, todo o material organizado e disponibilizado torna-se, ele mesmo, recurso para quem deseja aprender a dar respostas aos problemas cotidianos, seja no trabalho ou em qualquer outro lugar. Quanto mais diversificados, melhor. Quanto mais adequados ao que se pretende como resultado, também. E isso facilita alianças estratégicas.

Mas a questão central é que os recursos educacionais impactam mais na aprendizagem quando há espaço para os erros e para descobertas de solução menos conservadoras. Os espaços de aprendizagem são mais amplos quando os recursos educacionais são organizados coletivamente e arquitetados através de critérios de curadoria. Justamente porque são espaços que refletem uma cultura, um modo de ser e de pertencer.

As experiências desenvolvidas em espaços de aprendizagem dependem do tipo de estímulo e dos recursos disponíveis. Tecnologia é ferramenta. E ferramentas são parte do que podemos transformar em recursos educacionais. Ferramentas sem propósito e sem esquemas de ações para usá-las são inúteis. Os recursos educacionais envolvem ferramentas com propósito de uso, informações qualificadas e possibilidades de troca de experiências, partilha de ideias e construção coletiva de soluções. São esses recursos que materializam espaços de aprendizagem.

 

Luciano Bitencourt

Formado em Jornalismo, é professor universitário daquela graduação há mais de 15 anos. Já atuou como repórter e participou de diversos projetos na área. É sócio-proprietário da Akademis.